domingo, 15 de noviembre de 2009



FOTO: Sordo,Mudo y Ciego

Em 1968 e 1960, foi organizado, no Rio de Janeiro, o I e o II Simpósio Nacional de Capoeira. O evento tinha como principal patrocinador o Ministério da Aeronáutica, através de sua comissão de “desportos”.
Rafael Flores Viana, conhecido nas rodas de capoeira como mestre Rafael, em palestra em Salvador, no teatro Gregório de Matos, enfatiza que, antigamente, não havia as federações de capoeira, até o governo militar entendê-la como um esporte e querer regulamentá-la como a arte marcial brasileira, esporte nacional. A primeira reação do mestre a essa empreitada do Governo, na época, dirige-se para uma expectativa positiva: “Caramba! Pra nós, jovens fascinados pela capoeira, querer ver a capoeira como a arte marcial brasileira regulamentada parecia ser uma coisa boa. Puxa, até que enfim vão reconhecer a capoeira!” [sic] (MESTRE RAFAEL, 2007).
Ele ainda ressalta que encontrou o Mestre Acordeon e convidou-o para participar das primeiras reuniões do grupo responsável para organizar a capoeira sobre essa
matriz:
“Rapaz, o governo federal tá querendo regulamentar a capoeira como esporte nacional. Olha aqui, fazer estatutos, regulamentos, competições, uniformes, uniformizar a capoeira. Estão querendo vestir a capoeira. Eu falei assim: Vamos lá, Acordeom” [sic] (MESTRE RAFAEL,2007).
A idéia de reunir capoeiras em um simpósio foi deste último. Mestre Acordeom acreditava que, antes de regulamentar a capoeira, seria necessário ouvir os sujeitos envolvidos com ela. Ele falou:
É fazer um simpósio, chamar os mestres pra conversar, discutir a capoeira que o espírito dela vai aparecer [...] A aeronáutica deu os alojamentos, deu o avião, comida e mestres de outros lugares apareceram de São Paulo, do Rio de Janeiro pra saber o tamanho da coisa, pra ver se o espírito da capoeira aparecia (MESTRE RAFAEL, 2007).
O encontro tinha um objetivo claro, que era estruturar a capoeira nos moldes esportivos, padronizando o capoeira e seus movimentos, a fim de enquadrá-la no novo paradigma societal.
O simpósio começou. Vamos catalogar todos os golpes da capoeira pra que o nome de um movimento seja conhecido na Bahia, no Sul, no Norte por um nome só. E começou, foi feito um questionário antes, mandado para todos os mestres, o nome dos golpes que eles conheciam e o simpósio começou com a apresentação dos golpes. Martelo! Chamava uma pessoa, apresentava o martelo. Alguém conhece?! O martelo é um movimento que o capoeira se imposta de forma lateral, curva a perna e lança. E alguém apresentou o martelo, assim na altura da cintura. Alguém conhece isso aqui com outro nome? Daí mestre Canjiquinha levantou e falou assim: Peraí, isso aqui também é martelo. Ai deu um martelo abaixo da linha do joelho, na canela do camarada. “Isso aqui também é martelo”, disse Canjiquinha.. Aí o mestre Bimba falou assim: isso não é martelo, isso é pontapé de ignorância.Ai foi aquela risada, aquela discussão. Mestre Caiçara puxou o apito e disse:
Almoço! A parte da manhã está encerrada [sic] (MESTRE RAFAEL, 2007).
........................................... a capoeira, através de uma dialeticidade, vai constituir, com o binômio Educação Física-Esporte, muito além de um modelo, de uma modalidade esportiva, mas toda uma reorganização de sua práxis, o que a ressignificará.
A formatação da capoeira nessa lógica suscitará reprovações, até mesmo de ícones que, em tempos passados, também a ressignificaram. Mestre Rafael confirma isso com o posicionamento final de Mestre Bimba no I Simpósio Nacional de Capoeira, a partir de sua experiência no referido encontro. Vamos pra parte da tarde.
Ai o cara leu, catalogou, leu de novo, catalogou todos os golpes. “Alguém tem aqui algum golpe que não está nessa relação?” Disse o camarada. Apareceu, levantou um mestre do Rio de Janeiro [...] Não tinha tradição, acho que ele queria aparecer.
Então por favor, mostre aqui, disse o camarada. Ai ele levantou e fez assim (nesse momento o mestre Rafael, demonstrando o golpe realizado, levanta e gira o corpo dando uma volta completa). O nome desse golpe é “eu ia”. O mestre Bimba levantou e falou: - Ocê ia, agora quem vai sou eu! Levantou, pegou o ônibus e foi pra Bahia. Acabou o simpósio! (MESTRE RAFAEL, 2007).

Esse acontecimento também é confirmado por outro capoeira, que também é pesquisador e foi aluno do mestre Bimba:
Quando viu os rumos que tomavam o II Simpósio de Capoeira, resolveu partir de volta para a Bahia. Velha figura baiana, verdadeiro ídolo de seus discípulos, personagem freqüente dos livros de Jorge Amado, Bimba, com quase cem anos de idade e uma tradição enorme que ele mesmo criou, sentiu-se magoado quando a maioria dos presentes ao Simpósio começou a falar em unificação, regras e outros “modismos”: A Capoeira Regional que ele criou e deu força não podia desaparecer assim, por causa de uma pretensa evolução (ALMEIDA, 1982, p. 21).
O próprio mestre Rafael arremata essa questão na sua reflexão final sobre o
assunto:
Eu tinha tanta expectativa em ver a capoeira como esporte nacional, como arte marcial brasileira. Demorou um pouco pra cair a ficha. Eu falei: Caramba! Esse é o espírito da capoeira! Ela não aceita ser regulamentada, ela não aceita regras, ela não aceita que se uniformize. Ela valoriza é a diferença! (MESTRE RAFAEL, 2007).Entretanto, em 1972, a capoeira é reconhecida de forma oficial pelo então Ministério de Educação e Cultura, vinculando-se à Confederação Brasileira de Pugilismo (CBP), através do Departamento Nacional de Luta Brasileira (Capoeiragem). Esse fato irá corroborar, de uma vez por todas, a sua institucionalização. Através dessa estratégia, ela será paulatinamente inserida nas modalidades esportivas praticadas em diversos espaços de treinamento físico e de lazer.

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