A Saracura
É um pedaço da África. As relíquias da pobre raça impellida pela civilização cosmopolita que invadiu a cidade, ao depois de 88, foi dar alli naquela furna. Uma linha de casebres borda as margens do riacho. O valle é fundo e estreito. Poças dagua esverdeada marcam os logares donde sahiu a argilla transformada em palacetes e residências de luxo. Cabras soltas na estrada, pretinhos semi-nus fazendo gaiolas, chibarros de longa barba ao pé dos velhos de carapinha embranquecida e lábio grosso de que pende o cachimbo, dão áquelle recanto uns ares do Congo. Alli pae Antonio, cujas mandingas celebram os supersticiosos de Pinheiros, de Santo Amaro, da várzea e até do Tabôa, pratica os seus mysterios e tange o urucungo, apoiando ao ventre rugoso e despido a cabaça resonanta. As casas são pequenas; as portas baixas. Há pinturas enfumaçadas pelas paredes esburacadas. A mobilia, caixa velhas e tóros de pau, sobre ser pobre, é sórdida. E alli vão morrendo aos poucos - sacrificados pela própria liberdade que não souberam gosar, recosidos pelo álcool e estertorando nas angustias do brightismo que os dizima, eliminados pela elaboração anthropologica da nova raça paulista - os que vieram nos navios negreiros, que plantaram o café, que cevaram este solo de suor e lágrimas, accumulados alli, como o rebutalho da cidade, no fundo lobrego de um valle23.
23 Correio Paulistano, 09/10/1907. [ Links ]
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-01881999000200004&script=sci_arttext#back4
miércoles, 20 de enero de 2010
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